Por Evandro Vaz
A cidade de Campo Grande há muito apresenta marcas de grandes metrópoles com trânsito embaraçoso, rotinas frenéticas e mudanças bruscas no clima, tudo num ambiente que ainda lembra e muito uma cidade com cheiro de interior. Mas por trás desta realidade corriqueira tida como normal, um submundo desconhecido pela sociedade se move sorrateiramente e nele pessoas são objetos, servem apenas para satisfação do prazer a qualquer custo. Seus gritos de socorro não fazem barulho. São as vítimas do abuso e da violência sexual.
O Projeto Nova é uma entidade dedicada ao atendimento dessas vítimas, em sua maioria mulheres e crianças. Com suas atividades iniciadas em maio de 2011, tem atualmente 32 famílias cadastradas. Após parceria firmada com o curso de Psicologia da UCDB – Universidade Católica Dom Bosco, é hoje um campo de estágio curricular obrigatório. Segundo Renan Júnior coordenador do curso, o estágio específico para os alunos de nono e décimo semestres proporciona aos mesmos o exercício de uma prática responsável nas intervenções e avaliações nos atendimentos.
Na casa sede do projeto são oferecidas regularmente atividades como arte terapia, reuniões, cursos, triagem social, atendimento psicológico e encaminhamento jurídico. Assim, visa proporcionar o restabelecimento da dignidade humana e novas oportunidades de geração de renda. A coordenadora do projeto Viviane Vaz afirma que, “os sobreviventes da exploração sexual sofrem uma amputação de perspectivas sociais comuns à maioria das pessoas”, já que a violência traz graves consequências emocionais, quadros depressivos, bloqueios de aprendizagem e desejo de morte. Um fenômeno grave é observado nos tratamentos, a tendência da violência sofrida quando criança ser transmitida por meio de atitudes desta quando adulta, aos seus filhos. Viviane acrescenta que “a terapia visa acolher, e mostrar aos assistidos que dentro dos mesmos existe o poder para se levantar e vencer as próprias tragédias. As principais mudanças notadas são o desenvolvimento de novas habilidades, metas e como alcançar seus sonhos pessoais, familiares e profissionais”.
Conforme a Professora e Psicóloga Dra. Mirian Exel, o projeto é “pioneiro, sendo a base na implantação de uma rede psicossocial em psicologia” com profissionais de múltiplas áreas, assim fixando o projeto como referência em ações de intervenção e proteção. O objetivo é fornecer apoio e tratamento para uma população vulnerável, e através de parcerias firmadas, ser eficaz no seu poder de sarar essas duras mazelas. O contato com o projeto deu-se através de uma acadêmica que procurou orientação, já atuando como voluntária. A professora ao conhecer o trabalho também se voluntariou. Ela disse, “a minha atuação como voluntária evoluiu para viabilizarmos junto à coordenação a atividade extracurricular”, e hoje são sete acadêmicos, sendo que alguns pretendem continuar depois de formados como voluntários. É o caso de Anne Vanessa, que enquanto acadêmica apresentou o projeto à professora Mirian. Hoje a psicóloga segue como profissional voluntária e relata, “o trabalho traz esperança, nos ensina amar e ter zelo pela vida das pessoas; tenho ajudado famílias que estão sem nenhuma expectativa de vida, a ter uma. É gratificante para nós profissionais”.
Ainda segundo a professora, não há relato de projeto nesses moldes em funcionamento no Brasil, afirma que a experiência para o acadêmico proporciona “uma vivência que extrapola a formação clínica tradicional, numa realidade de rede psico social. O exercício do olhar clínico ajustado para essa realidade é um aprendizado, uma vez que não existem escritos a respeito da dinâmica de atendimentos”.
Carol Flores, acadêmica do décimo semestre de psicologia da UCDB, coloca que área da Psicologia Social está sendo aprimorada nos últimos anos, “acho importante como futura profissional focar meu trabalho em públicos que geralmente não são um alvo comum. Penso que todo ser humano deveria ter o privilégio de se reconhecer e ter trocas profundas com o meio que o cerca”.
O atendimento psicológico possibilita identificar e investigar os impactos da violência e do abuso sexual a curtos e longos prazos, bem como seus desdobramentos mais conhecidos. São eles: a ansiedade e a depressão, transtornos pós-traumáticos, atitudes regressivas, autopunição, vingança, tentativa de suicídio, dificuldade nos relacionamentos, prostituição e promiscuidade, além do uso de entorpecentes.
Tudo acontece numa uma rotina semanal de triagem e atendimentos. Foi recentemente desenvolvido um regimento interno em conjunto com a coordenação de estágio, a direção do projeto e profissionais voluntários; de maneira a dar suporte ás famílias assistidas dentro de suas peculiaridades.
O engajamento de voluntários é uma marca do projeto, Flávia Fernandes se dedica integralmente as atividades. Ela relata, “fiquei sabendo do projeto através da divulgação na igreja, e também de amigas voluntárias após minha experiência em um projeto na cracolândia – São Paulo”. Primeiramente hesitou, “não queria ajudar a princípio, resisti um tempo, mas quando fui ajudar logo me apaixonei”. Para ela, “aprendemos que o ser humano machuca muito, mas tem muito mais querendo ajudar a levantar quem está caído. Pessoas capazes de doar seu tempo, disposição e também coisas materiais”. Acrescentou que aprendeu ver a importância da psicologia, e seu papel fundamental no tratamento das raízes dessas feridas nas vítimas.
Cerca de 30 voluntários dedicam seu tempo semanalmente na sede, seja transportando doações, fazendo triagem de roupas, preparando lanches, cuidando de crianças, com artesanato e culinária, costurando, etc. Além de profissionais liberais (advogados, médicos, dentistas, assistente social, etc) que doam seu serviço a disposição destas famílias.
“Quero aqui honrar a vida de cada intercessor, cada colaborador e abençoador do Projeto Nova, servos e servas de Deus que estão anônimos p os homens mas vistos pelos olhos de Deus.” Evanir
Seja também um voluntário, uma simples atitude pode fazer diferença na vida dessas famílias.
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